A utilização das plantas quer para fins alimentares quer
medicinal, é quase tão antiga como o próprio homem. Embora o seu uso medicinal
seja habitualmente conotado com práticas mais ou menos obscurantistas, que
persistem, sobretudo no bucólico da ruralidade, as plantas não servem apenas
para tratar as maleitas dos nossos camponeses. Nas grandes cidades, apesar de
muito deste patrimônio cultural se ir desvanecendo, assistimos na atualidade a
um regresso às origens, em busca daquilo que a terra nos dá. Prova disso é que
não haverá casa portuguesa sem o cantinho das ervas: a erva-cidreira para as
perturbações gástricas, a tília para febres e doenças hepáticas, a camomila
para a gripe, entre muitas outras que cada um escolhe a seu bel-prazer.
Muitas das mézinhas das nossas avós, a que é usual chamar
“medicina tradicional”, “natural” ou “verde”, coexistem, afinal, com a medicina
convencional, dos médicos, na qual abundam cocktails químicos injetáveis,
xaropes industriais e drágeas de todas as cores e feitios.
Ainda que não haja dados estatísticos sobre o número de
pessoas que recorrem à medicina natural, uma vez que se trata de autoconsumo e
não são necessárias receitas médicas para este gênero de terapia, pensa-se que
a naturopatia está em crescendo. São cada vez mais os adeptos da medicina
verde. Em suma, quando o objetivo é acalmar a alma, fortalecer o corpo e
aliviar a dor, ninguém se importa de onde vem o remédio, desde que se revele
eficaz.
Formas sugestivas
Não é difícil imaginar por que razão algumas plantas
começaram a ser utilizadas como curandeiros. Basta olhar para elas. As suas
formas sugestivas, imitando órgãos do corpo humano, terão despertado a
curiosidade e levado ao seu emprego na cura das maleitas a eles associadas.
Estas crenças originaram, nos séculos XVI e XVII, a chamada “doutrina das
assinaturas”, segundo a qual Deus teria indicado as virtudes de cada planta
dando-lhe uma forma similar ao órgão sobre o qual atuava. Por exemplo, os
tubérculos de certas orquídeas, que se assemelham aos testículos humanos,
possuiriam propriedades afrodisíacas, e as folhas das hepáticas, em forma de
fígado, seriam indicadas para os problemas relacionados com esse órgão. Ou
então, dando-lhe um aspeto idêntico aos sintomas externos de determinada doença
(as ervas com seiva amarela, como a Caledônia, eram utilizadas no tratamento da
icterícia, o feto polipódio era usado para curar a varicela, pois os seus
esporângios, situados na página inferior das folhas, assemelham-se às pústulas
originadas por essa doença). Embora nem sempre se verificasse a tão almejada
cura, cedo se percebeu que quase todas as plantas possuíam propriedades
medicinais, que compuseram o vasto leque de conhecimentos empíricos legados às
gerações vindouras.
A doutrina das assinaturas estendeu-se de igual modo aos
fungos: o exemplo mais conhecido é o do cogumelo porra-de-lobo ou picha-de-cão
(Phallus impudicus), ao qual, devido à sua forma idêntica ao pénis humano,
foram também atribuídas propriedades afrodisíacas. Entre os líquenes,
destaca-se a pulmonária (Lobaria pulmonaria), que foi largamente utilizada no
tratamento das úlceras pulmonares, em virtude da sua semelhança com um pulmão.
Embora estas crenças nos possam parecer ridículas no
presente, é compreensível que, na antiguidade, se tenha entendido as formas das
plantas semelhantes a órgãos como sinais divinos. Em pleno século XXI, muitos
camponeses sem a influência dos ensinamentos escolares e dos conhecimentos
científicos continuam a vê-las como tal.
Curar
sem químicos?
A utilização das plantas com
propósitos medicinais vem de há longa data; no entanto, o papel fundamental que
lhes era atribuído na medicina da Idade Média foi-se desvanecendo com os
avanços científico-tecnológicos da era moderna. Hoje em dia, muitos dos seus
princípios ativos já são sintetizados artificialmente, através da biotecnologia
a que recorre a indústria farmacêutica. Apesar disto, ainda existe uma
considerável percentagem de medicamentos prescritos pelos médicos que resulta
da utilização direta de plantas, sobretudo quando a síntese artificial do
princípio ativo não é conseguida ou não é economicamente favorável.
Segundo o Decreto-Lei 176/2006, é
definido como medicamento à base de plantas “qualquer medicamento que tenha
exclusivamente como substâncias ativas uma ou mais substâncias derivadas de
plantas, uma ou mais preparações à base de plantas ou uma ou mais substâncias
derivadas de plantas em associação com uma ou mais preparações à base de
plantas”.
Permanece, contudo, o preconceito
de que as ervas medicinais recolhidas na natureza são boas para a saúde porque
não têm químicos, o que não é verdade. A razão por que são usadas para fins
curativos é exatamente porque possuem determinadas substâncias químicas que vão
influenciar a fisiologia do organismo. Eduardo Ribeiro, biotecnólogo e
especialista em suplementos alimentares e plantas medicinais, lembra que “uma
planta medicinal é constituída por um complexo conjunto de moléculas com
efeitos fisiológicos comprovados, mas cuja ação ao nível do organismo não é
facilmente percecionada”.
Através do seu metabolismo, quase
todas as plantas conhecidas produzem substâncias com propriedades medicinais ou
odoríferas, como esteróides, alcalóides, óleos essenciais, taninos, vitaminas,
elementos minerais e antibióticos, entre muitas outras. Dito de outro modo,
possuem determinado princípio ativo que lhes confere valor terapêutico. Por
isso mesmo, terão sido empregadas, de acordo com estudos antropológicos, desde
o Paleolítico, embora os vestígios farmacêuticos mais antigos nos tenham
chegado das civilizações mesopotâmica e egípcia.
Para além da utilização que se vai
fazendo das plantas, principalmente pelos habitantes das zonas rurais e pelos
clientes da naturopatia, a indústria farmacêutica não deixa de procurar novas
propriedades curativas nas plantas silvestres. Embora a medicina convencional
não reconheça completa validade terapêutica à naturopatia, é absurdo desprezar
alguns tratamentos centenários da medicina popular, muitos deles com eficácia
comprovada. Quem nunca bebeu chá de camomila como calmante, tomou mel com limão
para curar as dores de garganta, bebeu chá de cidreira para as dores de
estômago ou tomou xarope de cenoura para a tosse? Quantas vezes as mézinhas de
fabrico caseiro, passadas de geração em geração, fazendo parte da identidade
cultural de um povo, solucionam os problemas de saúde e restabelecem o
bem-estar, sem necessidade de apoio médico? Muitas dessas receitas caseiras
podem ainda ser ouvidas da boca dos sábios rostos enrugados pelos anos, em
qualquer das muitas aldeias de Portugal, que teimam em manter vivos os costumes
e tradições.
No entanto, embora use produtos
naturais culturalmente muito interessantes, a verdade é que a medicina natural
pode apresentar alguns riscos, nomeadamente quanto ao controlo de qualidade, à
utilização indevida e aos efeitos secundários em determinadas doenças, como
avisa Elsa Gomes, professora aposentada da Faculdade de Farmácia da
Universidade de Lisboa.
Em muitos casos, a medicina
convencional coexiste com as medicinas popular e alternativa. Os doentes,
consoante os resultados obtidos com os tratamentos, dividem a sua crença entre
médicos e “curandeiros”, “endireitas”, “sábios”, “bruxas” e “homens de
virtude”. Apesar de os efeitos farmacológicos de muitas mézinhas estarem ainda
por investigar e comprovar, a medicina moderna vai aprendendo a conviver com
alguns desses remédios populares; de facto, quando a medicina ainda dava os
primeiros passos, já o povo tinha remédios para a maior parte das maleitas.
“A elaboração de remédios caseiros
está também hoje em dia facilmente acessível via internet, sendo possível
aprender como fazê-los e quais as suas indicações.” Quem o afirma é o médico
Luiz Santiago, autor de Medicamentos e Corpo – Consumidores de Fármacos: o que
Pensam e o que Sabem... “No entanto, dose e posologia são duas grandes lacunas
que se observam, quando consultada a informação”, alerta.
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